Vera Pessoa
Nada mais me prende a nada, desde que ela se foi.
Entender nada, mais entendo e nada mais quero.
O que não sei e não entendo que assim seja sempre
pelo infinito indefinido definitivamente.
Quando durmo, descanso irrequieta e tenho choques no corpo.
Vivo num sonhar triste, irrequieto, tendo pesadelos; nunca os tive.
Fechei todas as portas e as janelas concretas e abstratas
necessárias, talvez!
Não vejo nessa travessia a porta que alguém possa ter me dado.
Tento escrever para passar a vida que está tão cansada e salvar a
razão.
Grande tédio me arrebata e até ele sente tédio do próprio tédio.
Compreendo o que se passa, mas a intervalos longos e sem conexões.
Acordei para a vida que me diziam ser, que duvidei, e a ela havia me
adormecido.
Os meus sorrisos, com os dentes expostos, cheios de sonhos e
esperanças sofreram derrotas.
E meus pensamentos sentem-se fracos e sem ilusões: são apenas sonhos
a serem sonhados.
Nada mais sei, nem isto e nem aquilo e nem mais coisa nenhuma.
Sonhava saber alguma coisa, mas, no fundo de minha alma, sonhei o
que sonhava nos campos repletos de girassóis e rios. Agora estão
limpos sem nada, sem pássaros, sem cheiros.
Foram cantos últimos deste coração que sonhava sem nenhuma triste
causa final.
Das ilusões tudo está a fugir em mim - o passado tão perto foi tão
escuro e do futuro vejo o campo que está limpo e alagado pelas frias
e quentes lágrimas.
Nas estrelas, na lua, nos caminhos das florestas e dos mares nada
mais vejo - pensei que lá estaria e seriam todo eles o meu ser.
Não sei qual será o destino daqui para frente, agora que tão só
estou a vagar pelo caminho.
Competirá à minha fé mostrar-me a direção do novo tempo que muito
perto deve estar.
Não sei qual ilha do Oriente me aguardará como náufraga; ou qual
palmeira real se curvará diante dos meus pobres versos e um verso me
dará.
Na verdade, quero mil coisas ao mesmo tempo e nada estou a querer ao
mesmo tempo.
São Paulo, 24.III.2016.
(mãezinha) |