Resistir por meio de uma beleza
Anjo mandado por Deus
Vera Pessoa
Há momentos em que digo a mim: “Estou cansada, exausta desta vida,
das misérias e dos conflitos cotidianos. Quero parar, quero paz! Ou
melhor, quero livrar-me de tudo isso e dedicar-me somente àquela
beleza”. Tenho vontade de dizer abertamente: “Vou embora para o
Monte Sinai, para a minha Pasárgada, pois lá sou amiga de Deus e de
Beatriz Borges e Silva. Lá terei todas as belezas à vontade para
confortar meus sentidos, minha alma, meu viver”.
Ficarei em plena e pura contemplação daqueles mestres que têm
coração sem teorias humanas, sem preconceitos, conceitos, sem
rotulações, sem agressões.
Ou, então, me embrenharei entre as criaturas santas menos e maiores
da cidade de Jerusalém. Ficarei ali olhando aquele mundo encantado
que só os anjos veem -mundo de cores, de cantos, de sabores, de
cheiros e de sedas onde o drama humano se retempera nas artes das
inocências e do genuíno amor. Entenderei o que o Nobre desconhecido
deve sentir ao dar ao mundo a Beatriz e a estar entre ela e seus
iguais físicos e de emoção-pessoas luzes tão formosas e famosas no
mundo celestial sem que tantos terráqueos as conheçam. Recreie sua
alma, ó teórico sem coração e sem o celestial ideal pelos anjos que
ao mundo vieram somente para nos dar amor incondicional e anos
ensinar o que é amar, porque aqui a coisa continua suja e feroz.
Drummond disse que queria fazer um soneto duro, tão duro que não
desse prazer a ninguém que o lesse. Não sei a que prazer ele se
referia, nem sei a que prazer ele sentia em assim dizer. Sei mais ou
menos quanto a mim: eu queria neste momento que a Luz sobre mim
descesse e eu escrevesse uma crônica leve como uma folha dourada e
seca ao vento que abrisse n´alma das pessoas uma clareira de intensa
alegria: alegria angelical que destruísse a “sutil” e bruta agressão,
a falsidade, o minguado sentimento de amor, a falta de respeito, a
bruta ambição, o mundo das rotulações e das discriminações
existentes entre nós e as disfarçadas dirigidas à Beatriz e aos
anjos seus irmãos. Queria gritar ao universo de Deus e ao nosso uma
crônica musical-poética-teatral colorida que abrisse todas as almas
tão maltratadas pelas feiúras morais, físicas, espirituais e
emocionais deste tão comprido e profundo mundo.
Como estão feios os sentimentos das pessoas que vivem ao redor dos
anjos de tão puro amor. Por isso eu queria escrever uma narração que
irrompesse luminosa (similar a que cegou o apóstolo Paulo), quente e
intensa, ainda que por poucos minutos de vida ela tivesse. Mas que a
pessoa que a lesse, se a lesse, pudesse ver os meus doidos
sentimentos. Sentimentos que refletissem os sentimentos ingênuose
calados de Beatriz! Que eu fosse capaz de dar à pessoa dez minutos
da beleza de Beatriz, ainda que esses minutos fossem por um dia –
isso me bastaria nessa tão longa jornada.
Dizem os especialistas que o amor e o riso são necessários à vida
das pessoas e que se todos nós déssemos um pequeno afeto que fosse e
uma boa gargalhada ao dia teríamos melhor saúde. Faço um convite -
que tal se apenas medíssemos o efeito da beleza de Beatriz e dos
seus irmãos iguais sobre as nossas saúdes, nossas almas? Olhemos ao
redor, vejamos as beatrizes, as amemos como amados somos e sejamos
felizes e saudáveis!
Agora, devo interromper a escrita deste texto para me abastecer em
pensamento sobre a beleza dos anjos que Deus envia-me. Ouvirei uma
música de Bach para poder enfrentar o horror dos diagnósticos, das
estigmatizações malditas que os homens inseguros precisam de todos
eles para desenvolver seus trabalhos, suas relações, fazerem suas
riqueza se plantarem seus conhecimentos - dominações.
Ah, mas, se isso não me bastar, chegarei à janela do meu quarto e de
lá verei o infinito deste “meu” bairro e desta “minha” rua livre de
prédios à minha frente: que só se me apresenta pelas frondosas
árvores. E como ainda é amanhecer, verei o infinito céu, os
passarinhos a voejarem, um sinal da lua e o sol rasgado pelas suas
infinitas belezas a nascer. Todos a me alimentarem pelas suas
indescritíveis e “pequenas” belezas que habitam em suas antigas
vidas mínimas. Mínimas se comparadas às belezas infinitas dos anjos
beatrizes que perseverantes tentam habitar entre nós. Porém,
diuturnamente, encontram, do outro lado, o incansável e teimoso
“homem cientista” que os rotulam e os tratam com as regras descritas,
frias e duras da prática-teórica permeadas pelas condutas frouxas,
ditadas pelos pré-conceituosos manuais de diagnósticos americanos
que lhes batizam com o nome de síndrome de down.
Ah, Jehova, tenha misericórdia de nós! Quando aceitaremos de bom
grado as bênçãos que imensuravelmente e sempre está a nos dar,
graças que podem nos levar a resistir as nossas escuridões, e como
os anjos aprenderemos a viver?
“Beatriz é a nossa história de amor. Nossa historia é muito cheia de
mistérios, de amor, de milagres e superação (...). Iniciamos seu
tratamento no Hospital Santa Isabel em Salvador. Depois, de muitas
tentativas para fazer a cirurgia de correção do coração, descobriram
que ela precisaria de um transplante duplo de coração e pulmões e
que ela teria pouco tempo de vida. Ela teve parada cardíaca ficou em
UTI e os médicos, em todo momento, mandavam eu me preparar para o
pior, pois, eles não podiam fazer mais nada. As chances de sucesso
de um transplante desse porte são mínimas, quase não existem. Se
houver alguem ou alguma chance de novas terapias de tratamento para
o caso dela queremos essa ajuda. Gugu quer muito viver e nós
queremos ela por mais tempo conosco. Bom, ela saiu da UTI com vida e
cheia de vida! Tanto que está confundindo a medicina. Hoje ela está
com 6 anos de vida e vivemos intensamente cada dia. Eu creio que
Deus tem propósito para todas as coisas e “Todas as coisas
contribuem para o bem daqueles que amam a Deus”. Eu creio que
através de nossa historia de fé e amor, Deus tem muito a fazer na
vida de outras pessoas e louvo a Deus pela oportunidade de dividir
nossa historia com vocês. Deus abençoe vocês assim como tem nos
abençoado”. (Carta de Ednair Silva: mãe de Beatriz)
São Paulo, 08.VII.2014 |