Vera Pessoa
"E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no
campo,
se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou." Gênesis 4:8.
Quando foi a última vez que ouvimos falar, ouvir e/ou ler a respeito
da inveja? Pode ser esta a primeira vez que você esteja lendo
abertamente sobre esse sentimento?
A inveja provocou o primeiro homicídio da história no seio de uma
família, sobre a qual abordaremos no final deste texto. O conceito
sobre a inveja serve como pano de fundo para fofocas entre colegas;
separa pessoas que se consideravam amigas - bem querer; se presta
aos bajuladores; encoraja lobos em peles de carneiros nos
diversificados campos do conhecimento e dos relacionamentos humanos; fortalece
políticos demagogos; arregimenta “discípulos” amedrontados; e tantas
outras ocorrências por este mundo afora.
A inveja é tema que desperta discussões em várias rodas intelectuais
- desde a filosofia à política, das artes à teologia, dos tratados
de psicologia às revistas que contam histórias de celebridades. Sua
dimensão atinge a todos: mulheres e homens, crianças e idosos, ricos
e pobres, cultos e incultos, famosos e anônimos, sãos e enfermos,
ateus e crentes.
Apesar de sua enorme influência sobre a humanidade, na maioria das
vezes vemos a inveja sendo valorada, julgada, por meio de regras
moralistas. Ela desperta vários preconceitos e estigmas sociais que
são vivenciados em todos os ambientes da sociedade: do lar ao
trabalho, da igreja à política, da escola às ruas, da relação
amorosa construtiva à relação negativamente afetiva. Em Presente
e futuro, Carl Gustav Jung diz: “Todo organismo é perpassado, de
ponta a ponta, pela inveja do poder e pela desconfiança”.
Do latim “invidere”, invejar significa “não ver”. A pessoa por não
tolerar o bem do outro deseja possuí-lo, controlá-lo, ter poder
sobre ele porque é cego quanto a si mesmo. Consequentemente,
pode vir o termo “mau olhado” e todas as “simpatias” contra o “olho
gordo”.
Segundo Lideli Crepaldi, psicóloga e Mestre em Ciências da Religião
pela Universidade Metodista de São Paulo, em
A
inveja no mundo atual:
O que caracteriza a inveja é uma frustração consigo próprio, é a
tristeza com suas coisas, é a intolerância por se sentir menos que
os outros. [...] Invejoso é aquele que, ao invés de sentir prazer
com o que tem, sofre com aquilo que não é e com aquilo que não tem,
sempre na comparação destrutiva do outro. [...] Ao sentirmos inveja
de alguém o que desejamos é ocupar o lugar dessa pessoa e, por
consequência, eliminá-la.
Para o historiador, médico-psiquiatra e analista junguiano Carlos
Amadeu Botelho Byington, a inveja tem uma “função estruturante”,
isto é, podemos utilizá-la como uma ferramenta favorável ao
desenvolvimento de nossa personalidade ou na ampliação da
consciência e autoconhecimento.
Quanto menos atenção dedicarmos a esse sentimento, mais distantes
ficamos de nós mesmos, maiores dificuldades sentiremos de perceber
nossas limitações; serão menores nossas capacidades de reflexões e
nosso “ego, o qual necessita da orientação, da direção do
inconsciente para ter uma vida significativa”, ficará em desvalia.
"A Pedra Filosofal latente, aprisionada na prima matéria,
precisa dos devotados esforços do ego consciente para atualizar-se.
Juntos, trabalham no Grande Magistério a fim de criarem mais
e mais consciência no universo",
afirma-nos Edward F. Edinger, em Anatomia da psique: o simbolismo
alquímico na psicoterapia.
E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a Caim,
e disse: Alcancei do SENHOR um homem. E deu à luz mais a seu irmão
Abel; e Abel foi pastor de ovelhas, e Caim foi lavrador da terra. E
aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da terra uma
oferta ao SENHOR. E Abel também trouxe dos primogênitos das suas
ovelhas, e da sua gordura; e atentou o SENHOR para Abel e para a sua
oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se
Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. E o SENHOR disse a Caim:
Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres,
não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à
porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. E
falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no
campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou. E disse
o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei;
sou eu guardador do meu irmão? Gênesis
4:1-9.
Nesse capítulo de Gênesis, temos um interessante tratado sobre
relacionamentos humanos e sobre o que acabamos de abordar acima.
Nesse capítulo, vemos a vida entre irmãos, lemos sobre o primeiro
assassinato, a primeira mudança de lar, o primeiro luto, a primeira
vingança e a primeira vez que o nome de Deus é invocado.
É
nessa história, repleta de pessoas, que percebemos um sentimento tão
antigo quanto a humanidade: a inveja que mata. Ao desejar a
aprovação de Deus, a mesma que o irmão recebeu, sem, contudo, ter o
mesmo procedimento que o irmão teve, Caim assassina Abel sem
nenhum pudor.
A
inveja "mata!" Destrói relacionamentos, extingue a alegria, coloca
fim a um suposto afeto, instiga a agressividade, leva a
interpretação errada sobre o comportamento do Outro, sacrifica a
ética e fere a reputação. Empurra às várias modalidades de pobreza!
Como por exemplo: pobreza emocional, pobreza espiritual, pobreza na
saúde física, moral, alma e cognitiva.
O
invejoso sofre muito e faz sofrer o outro!
Não
aceitemos esse sentimento tão maligno, pois somos criados à Imagem
de Deus!
"A
Pedra Filosofal latente, aprisionada na prima matéria, precisa dos
devotados esforços do ego consciente para atualizar-se. Juntos,
trabalham no Grande Magistério a fim de criarem mais e mais
consciência no universo". (Edward F. Edinger). |