Artista Abbadia Pessoa

 

 

 

PINTURAS DE ABBADIA

Irineu de Moura

 

Uma das coisas boas da nossa época é poder valorizar a produção artística de pessoas que produzem ar te sem nunca terem tido estudo formal nessa área. Muitas vezes são pessoas simples, quase marginais, que só tiveram tempo após certa idade, já aposentadas ou com os filhos crescidos, mas que desde cedo mostraram seu amor ao desenho, às cores, aos volumes. Como ficam à margem das normas cultas da sociedade, têm sido rotulados de primitivos, ingênuos, mestres da realidade popular, primitivistas e, mais recentemente, artistas ínsitos ou irnatos. A diversidade de denominações, cada uma com seu matiz, reflete a dificuldade de categorização desses artistas que, segundo Berenson, realizam uma "criação que não,não faz nenhum apelo, existe”.

Essa arte parece brotar do fundo da própria atividade vital, canalizando-se numa, ou várias, formas de expressão. Um José Antonio da Silva, por exemplo, conhecido e ronomado pintor, é desenhista e - nem todos sabem - também excelente repentista e catireiro. A pintura é central, as outras são ramificações menores, também elas produtivas.

Com Maria Abbadia Pessoa, artista, dá-se o mesmo. O impulso criador que vem de dentro extravasa em atividades afins, que se podem agrupar como cuidado e decoração da casa. Ela pinta, borda, costura        e       cuida de plantas, bem como de pássaros em liberdade. Quem visita seu apartamento térreo, em plena Avenida Rebouças, esquece que está na metrópole, tal profusão de flores dentro e fora, unidas pelas janelas abertas. Mais à vontade ainda, em sua chácara, cuida da terra e da vegetação com muito carinho, que revela não ter negado sua origem de cidade pequena – interior de Goiás – onde nasceu e viveu muito tempo.

Essa origem quase rural e sua fidelidade à cidadezinha refletem-se nas pinturas de Abbadia, motivação que comparte com muitos artistas primitivos, para os quais a nostalgia de um pássaro mítico toma a forma de paisagens rurais ou de vilarejos como numa “idade de ouro” de que têm saudade. Mas, conversando com Abbadia, notamos que, lado a lado com esse passado nostálgico, há também o registro emocionado de momentos vividos, marcados pela morte de alguém muito querido, ou de uma emoção profunda, transfiguradas em pintura. Ela pinta sempre, a propósito de tudo ou de nada. Aqui fica o testemunho de uma paisagem bela, ali, o desenho de uma ave particularmente atrativa, acolá uma cena de trabalho na lavoura ou no garimpo. Pinta em tela, em madeira retangular ou redonda, em panos de cozinha. Ou então faz a toalha de mesa em tricô,ou o bordado em tela. Neste último caso, faz um desenho minúsculo - que funciona- como cartão para a peça a executar. Risca na tela esticada e, com uma só agulha, vai passando as linhas de cores fortes, uma a uma. A medida que trabalha, introduz sombreados, matizes e tons que vão, aos poucos, brotando como que espontaneamente.

Sua produção é constante, para ela parece que a pintura não se separa da vida, pertence ao seu evoluir constante. Nisso também Abbadia se aproxima da arte dos chamados primitivos, que não a separam do seu viver, não a tornam objeto de culto separado em galerias ou museus. Porisso sua conversa flui entre referências a quadros, a flores e a pássaros, a toalhas de mesa ou a roupas que faz. Tudo é criação, tudo é vida, tudo é emoção. Assim, o relacionamento de Abbadia com a arte, semelhantemente a outros autodidatas, não é conceitua ou intelectual, mas vivido. Daí certas características comuns a todos eles: a perspectiva que obedece a soluções pessoais, longe dos cânones, com pequeninas construções na parte inferior da tela, contrariando as convenções de maior tamanho aparente no primeiro plano. E também certos aspectos quase decorativos de pormenores - as flores e folhagens desenhadas com minúcia, correspondentes ao conhecimento que ela tem, de detalhe, de cada uma delas.

A temática dessas pinturas também tem direção marcada, apontando para o mundo rural, com casas distantes entre si, palmeiras e córregos; pedestres e cavaleiros nas ruas das cidadezinhas de casas diretamente nas calçadas, em pinturas claras e ensolaradas. Há as cenas de praia ou rio, belas nas cores límpidas e claras. Tudo isso pareceria remeter a um mundo de fantasia onde Abbadia se refugiaria, escapando da opressão da cidade grande e do presente. Nada mais errado. Ha um quadro com o casario empilhado no morro, há outro com o desfiladeiro urbano entre dois prédios próximos. Há a cidadezinha deserta. São registros dos dois lados do mundo - a ilha idealizada, no horizonte-, é tão importante para o equilíbrio da pessoa quanto o cortiço urbano. Retê-los na consciência, sem esquecer um ou outro, especialmente quando não se mora em nenhum deles. Já Abbadia registra, sem apelo, denúncia ou saudade. São facetas da vida que ela tanto ama, e que ela fixa em formas e cores.

Formalmente, há que registrar as figuras, de pessoas, quase sempre de frente ou de perfil, ou de costas. Não há posições intermediárias, 3/4 para o fundo ou a frente, não há escorços. Veja-se o seu nú, com cada parte do corpo a exibir seu perfil mais característico. Mesmo nessa gente, de que acabei de realçar caractetísticas formais, é interessante registrar a presença frequente de mulheres grávidas. Na prenhez  feminina, tanto quanto nas flores que povoam essas pinturas, a reafirmação da alegria da vida e confiança no futuro .A pintura de Abbadia se configura, assim, como um hino dedicado à vida, da qual não se separa.

 

Prof. Dr. Irineu de Moura¹
São Paulo,VI/1989

 

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO"

Reitor : Paulo Milton Barbosa Landim
Vice-Reitor: Arthur Roquete de Macedo

INSTITUTO DE ARTES

Diretor : Irineu de Moura
Vice-Diretor: John E. Boudler

Cursos Oferecidos:

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

EDUCAÇÃO ARTÍSTICA – 1° GRAU
HABILITAÇÃO EM ARTES PLÁSTICAS -2º GRAU

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¹ Professor Doutor Irineu de Moura era o nosso maior e melhor cientista   brasileiro, na área da Psicologia das Artes. Vera Pessoa

 

 

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Música: O Trenzinho do Caipira,

composição de Heitor Villa Lobos (Brasil, 1887-1959) 
é parte integrante da peça Bachianas Brasileiras nº 2.

A obra se caracteriza por imitar o movimento de uma

locomotiva com os instrumentos da orquestra.
Orquestra Sinfônica de Londres - Regente: Sir Eugene Goosens

 

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