Vera Pessoa
I
Por meio destas ondas azuis e matas de Itacaré,
Tendo os olhos ainda límpidos e fixos,
Estou à espera de novo te encontrar.
Perturbados estão, mas com lábios firmes
Direi milhões de vezes mais até na hora de sua morte: mãezinha, te
amo tanto!
Itacaré, 5.VII.2016.
II
Não sabia se abriria, ou não, a porta da varanda
Para avistar o mar e ouvir o grande ruído daquela vaga.
Não é o bastante não ser ameaçada de ficar cega
Para ver a inteireza daquela minha outra mãe natureza: Maria Abbadia.
É preciso, também, estar muito forte e não ter nenhuma psicologia.
Itacaré, 6.VII.2016.
III
Nos teus últimos cinco anos, afirmavas que todos sofrem,
Ou pelo menos a maioria de todos.
Ah, agora entendo, naqueles momentos ocorreria a auto referência.
Ai de ti e de mim que sempre levamos a vida amando pessoas!
Nunca seremos as águas deste mar que vêm e vão.
O mar parece até querer inventar a marca da felicidade nesta
conjuntura!
Itacaré, 7.VII.2016.
IV
Ó mar!
Nesta madrugada falavas de um recanto paradisíaco com farturas
E que dessa forma não deveria ser?
Dizias que tudo e todos sofrem muito mais sendo assim?
As coisas e os humanos dessa maneira tornam-se anarquistas e sofrem
mais?
Ah, meu querido Itacaré, agora estamos a viver outros tempos!
A tua grandeza não mudou, mas os cheiros e as personagens sim.
Antes era quente o pai sol, as crianças gritavam de gozo e a mãe lua
sorria.
Pessoas e o maná perderam os seus viços, mas sinto correr o ar dos
prazeres carnais.
E agora, também, não tenho mais para quem ligar!
Itacaré, 8.VII.2016.
V
Apenas as vendo nada ficaria sabendo.
Se fosse diferente, tudo seria tão diferente! É, é simples assim!
Nestes dias civilizados, famílias e escolas estão muito perversas!
Por isso, há anos, de perto, resolvi te observar e descrever
E, desde então, todos os dias, acordo com tantas penas...
Agora que estou envolta nestas águas deste útero materno
Fica muito vivo e mais claro o que mamãe já dizia!
Itacaré, 9.VII.2016.
VI
Ai, ai, ai, ai!
Entre o que estou a ver deste mar fechado, emburrado, água quase
barrenta,
E o que vejo de um mar penetrante da minha mais profunda consciência,
Chego a sentir medos e imensas melancolias.
É que amanhã será o aniversário de tua recolhida!
Os teus passos foram de fé, firmes, tranquilos e confiantes junto
aos de papai.
Foram na mesma direção...
Foram rumo à mesma realidade que transcende ao conhecimento humano.
E eu a reparar que, humanamente, estou inteiramente só!
Itacaré, 10.VII.2016.
VII
Neste instante estou a delirar imaginando estar baixo ao teu puro
olhar.
Mesmo com as vistas embaçadas, inquietas e profundamente abatidas
sinto sensações.
Pressentimento que verei a tua pessoa aparecendo e desaparecendo
suavemente.
Agora estás a me fitar em meio as altas ondas azuladas que vão e vêm
deste imenso mar.
Elas cantam alegres, mas também choram sem parar diuturnamente.
Lembro-me que tinhas o rosto meigo, jovem, alegre e lindo.
Mas que se mostrou muito abatido nas tuas últimas horas.
Ah, meu Deus! Tu sabes como os traços da morte, por trás daqueles
ingênuos de mamãe,
Foram muito difíceis e doídos de os encarar!
Mami, no aqui-agora, estás a parecer com as pedras golpeadas pelas
ondas
Deste mar e pelos pingos da chuva que estão a cair.
Assim estás ainda mais a aparentar a natureza pura:
A vida que oxigena o mundo e o amor!
Desde que partiste tudo ficou sem perfume, tão triste
E sem vida na minha vida - se é que ainda estou a viver.
Parece que tenho lepra para as pessoas da cidade onde moro.
Doença que deve ter invadido o meu mundo externo e interno, porque
todos sumiram.
Mas, oh, quando eu estiver no colo de Jesus, irei reivindicar que a
mãe de útero, ou não,
Jamais deverá ser recolhida sem levar consigo a cria que a ama e que
a venera tanto.
Mãe amorosa é a natureza no mais puro e divino estado!
Itacaré, 11. VII. 2016.
(hoje faz um ano que Jesus a recolheu).
VIII
Antigamente acordava alegre sem nenhuma sensação de vazio; acordava!
A música, a tua voz, era a melhor maneira de manter a atenção focada,
Por causa da constante mistura de estímulos novos e estímulos já
conhecidos.
Hoje, sem ti, só tenho felicidade se ouço o murmurar do mar e do
vento
Que enviam belas canções que me chamam à felicidade até a noite
rolar.
Itacaré, 12.VII.2016 |