Vera Pessoa
I
Oh!
Que desânimo e dores profundas quando penso e escrevo em tua
glorificação, mesmo sabendo que tantos te elogiam e poetas declinam
o teu ser tão perfumado.
Quiçá, como eu, vivem a exaltar todo o teu vigor e alegria diante da
vida, mesmo nos quatro dias antes daquele fatídico.
Por
que ter língua atada e água barrada perante tantas belezas que
percebi silenciosamente brotarem de ti?
Até mesmo quando vivias em intensas, negras e definitivas dores, sem
saberes de onde as vinham, sem te lamentares?
A
todos suplico: deixem-me desaguar até a minha morte!
Ah, que linda eras: oravas com as mãos alvas, longas, meigas e
erguidas a Jesus tendo a voz tranquila!
Firme e meigamente dizias que se fosse a tua hora preparada estavas.
Mami, tu fostes, és e sempre serás de grande importância e de pompa
indescritível para mim.
Agora só, já que convivi por longos anos ao teu lado amoroso,
humilde, inteligente e criador; como o oceano tem o seu valor,
tentarei conduzir a minha velha nau cheia de vazios e buracos
pela tua ausência, procurando ser como o teu navio garboso.
Porque, assim, se eu for ao fundo e o mundo gigante sem luz e
desconhecido prosperar, será isso para ti a dor pior:
o teu amor vir a arruinar-me.
São
Paulo, 19.IX.2015
II
Ah,
aquele dia era o início de tua subida sem medida.
Deitava-me às nove da manhã após sonhos registrados
Quando liguei-te avisando que jogava-me lassamente à cama.
Apavorada pelas dores e náuseas, estavas a me chamar,
E ao teu castelo corri como num avião: socorreu-me a tua geriatra,
E, então, levei-te àquela nave branca e estranha.
Vi comportamentos gentis de seres com roupas brancas,
Mas ouvi que a solicitante pedia que a chamasse com urgência.
Saímos correndo da particular, mas fria caixa branca.
De lá, a cada segundo na casa de banho, ouvia-se meus gemidos.
Talvez meu ventre já percebia que o teu calvário se iniciava.
De março de dois mil e quinze até final de minha vida, lembrar-me-ei
do tsunami que viria.
Verei até em meio a neblina que o teu preço era e sempre será imenso!
Riquezas de alma e coração acima de qualquer obtenção mundana!
Verei, também, infelizmente, que a pobreza de algumas almas é mais
profunda e desconhecida do que o próprio mar.
São Paulo, 30.IX.2015.
III
Adeus!
Uma ponte muito antiga e uma torre espiritual mais antiga nos unia.
Uma terceira coisa material existia dentro de mim, e mais inchada
estava. Tive de sair correndo daquele terreno pedregoso para cuidar-me,
e junto ao cardio chorei.
Agora como dói meu coração ao me lembrar da rosa simbólica e linda
que se abria ao outro mundo a partir daquele momento: culpa minha?
É muito bem provável que tu sabias que teu novo valor angelical
estava próximo! Teu preço, tenho certeza absoluta, colocou-te acima
de qualquer obtenção terral.
Pouquinho para a tua liberdade desta vida brutal, Jesus, aos teus
ouvidos e espírito, deve ter sussurrado:
Liberta-te: o alvará de tua condição, e meus direitos sobre ti em
vida não estão mais em vigor!
Possuo-te, bem sei, tão somente porque sempre consentistes por
inteira – minha amada, linda, tranquila e fiel filha!
Em que o Paraíso merece tão soberbo galardão?
Ter-te ao Seio Eterno?
São Paulo,23.IX.2015
IV
A Palavra, vida inteira, vivifica.
O teu silêncio, ó única Mulher, nem cala, nem fala, ri.
Não sem antes perguntares inúmeras vezes:
Verinha morreu?
Oh, agora como falas sem eu ouvir,
Como ri o teu riso
Pleno como aos dos anjos que vivem ao lado do Senhor?
São Paulo, 24.IX.2015.
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