Vera Pessoa
Todos discutem minha arte e fingem
compreender,
como se fosse necessário compreendê-la,
quando é simplesmente necesssário
amar.
Claude Monet
Neste
texto, como se tivéssemos um pincel à mão, demos
algumas pinceladas sobre o encantador universo das artes plásticas,
partindo, fundamentalmente, de alguns traçados de
Charles
Baudelaire, com suas críticas às artes, para alcançarmos as
expressões da artista plástica brasileira Raquel Taraborelli, que
tem a beleza, a naturalidade e o colorido do mais belo e infinito
arco-íris.
In this text, as if we had a paintbrush in our hands, we gave some
strokes on the enchanting world of visual arts, starting basically
from some Charles Baudelaire´s tracings, with his criticism of the
arts, to achieve the expressions of the Brazilian artist Raquel
Taraborelli that has the beauty, naturalness and the colors of the
most beautiful and infinite rainbow.
Wilhelm
Worringer, no seu livro Abstración e Naturaleza, 1953,
sustenta que o sentimento estético move-se entre dois polos: a
necessidade de abstração e a necessidade de empatia. “Do mesmo modo
que a necessidade de empatia - como pré-suposição da experiência
estética -, encontra satisfação na beleza do mundo orgânico, a
necessidade de abstração encontra beleza no mundo inorgânico, no
cristalino ou, em termos gerais, nas leis abstratas”.
Uma ou outra dessas tendências
básicas será mobilizada segundo as relações do homem com o universo.
Se essas relações são confiantes, será empatia com o objeto, e o
prazer estético será gozo objetivado de si mesmo!
Por outro
lado, se o cosmo infunde medo, se os fenômenos do mundo externo na
sua diversificada e confusa interligação provocam inquietação
interior, diz Worringer, é mobilizada a tendência à abstração. E a
arte virá a retirar as coisas desse redemoinho perturbador, virá a
esvaziá-las de suas manifestações vitais sempre instáveis para
submetê-las às leis permanentes que regem o mundo inorgânico. Assim,
por meio de processos de abstração, o homem procura “um ponto de
tranquilidade e um refúgio”.
Carl Jung,
analisando as ideias de
Worringer, esclarece-nos a
dinâmica psicológica das tendências à abstração ou à empatia com o
universo e com o objeto, correlacionando-as às atitudes típicas de
introversão e de extroversão. A condição prévia para que a tendência
a abstrair entre em atividade é a situação
na qual existe a projeção. A projeção, em princípio, é inconsciente,
com uma carga forte de libido da pessoa para com o universo e para
com os objetos. Dessa forma potencializados, tais elementos tornam-se
assustadoramente inquietantes, autônomos, dotados do poder de
influenciar o homem. Assim, entra instintivamente em jogo a função
de abstração para a pessoa defender-se da ação mágica que os objetos
e o mundo podem exercer em tais circunstâncias.
A abstração,
segundo Jung, consiste na produção de um movimento de refluxo, de
introversão, da libido que está aderida aos objetos, tendo por
consequência a despotencialização desses objetos. A função empática
funciona se a pessoa nada vê nos fatores que a hostilizam. Ela
encarna o cosmos sem temor e passa a desejar uma relação íntima com
os objetos do mundo externo. Por meio dessa empatia, alcançará essa
relação, isto é, a pessoa transferirá conteúdos de sua psique para
os objetos, animando-os e atraindo-os para si.
Do mesmo modo que na empatia o indivíduo inconscientemente encontra
prazer nos seus próprios sentimentos projetando-os sobre o objeto,
na abstração, sem o saber, está se contemplando a si mesmo quando se
aterroriza com a impressão que o objeto faz sobre ele (...). Empatia
e abstração são necessárias para a apreciação do objeto e para a
criação estética. Ambas se acham presentes em todo o indivíduo,
embora desigualmente diferenciadas. (WORRINGER, 1953).
O testemunho
de vários artistas modernos confirma o que nos afirma Worringer.
Paul Klee escreveu em seu Diário, no ano de 1915, durante a Primeira
Guerra Mundial: “Quanto mais o mundo se torna horrificante (como
atualmente), mais a arte se torna abstrata; um mundo em paz suscita
uma arte realista” (KLEE, 1959). Ora, notamos que o artista ocupa um
lugar social importante, pois, por sua linguagem, conduz o
espectador à ideia do belo, ou seja, à luz, ao único, ao perfeito.
Parece-nos que foi com Delacroix que a pintura tornou-se uma força
de convicção para uma multidão de pessoas, por suas cores, por suas
formas enérgicas e pela harmonia musical de sua composição. Ela
passou a dar vida ao século, insuflando-lhe seus sonhos.
Charles
Baudelaire, em seu livro O Pintor da Vida moderna, 2010,
desenvolve outra ideia, fundamental também para Edgar Allan Poe, a
da “imaginação”. Para Baudelaire, “a Imaginação, de uma dupla
natureza, fantasia e imaginação criadora”, não provém senão da alma
humana. Ela permite ao artista dispor das regras de seu ofício para
interpretar a natureza: decompor os elementos, reconstruir em vista
de uma ideia, de um sonho, ou seja, em vista de sentido. Esse ato
criador, próprio da parte criadora da imaginação, aproxima o artista
do espírito divino, infinito. O artista compreende as analogias, por
seu espírito divino, por seu cosmopolitismo, por sua imaginação
aberta voluntariamente a tudo e a todos, graças a seu estado de
“inocência”.
Na sua
criação pictórica, o artista, tal como um feiticeiro, faz emergir
seres sobrenaturais capazes de provocar reações de sentimento ou de
moral. Baudelaire avalia cada quadro de acordo com o seu “magnetismo”:
a emoção – ou “soma de ideia ou de
devaneios” – percebida, a “primeira impressão”,
a “lembrança”. A beleza de um quadro não
provém senão da individualidade do artista, de seu temperamento.
Baudelaire julga que a distância entre o belo de uma ou outra das
regiões do universo é a marca de identificação: a “variedade” ou
“estranheza do belo”. Duas obras diferem entre si apenas pelo grau
de “estranheza” que exprimem.
O poeta e
crítico Baudelaire define em que consiste a etapa essencial da
criação: a “concepção de uma composição”, momento muito rápido da
expressão, a ser integrado em um “meio colorido próprio”. Próximo da
música, a arte do pintor colorista sustenta-se graças à sua
imaginação, na avaliação dos tons em geral relativamente ao “tom
particular que governa os outros”, para atingir a “harmonia
geral”, que deve ser
permanentemente preservada. “Um bom quadro, fiel e igual ao sonho
que o gerou deve ser produzido como um mundo (...). Assim, um quadro
produzido harmonicamente consiste em uma série de quadros
superpostos, em que cada nova camada dá ao sonho mais realidade e
faz com que ele avance um grau em direção à perfeição”.
Charles-Pierre Baudelaire
(Paris, 9 de abril de 1821 — Paris, 31 de agosto de 1867), poeta e
crítico da arte francesa, é considerado um dos precursores do
simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da
tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman. Sua obra
teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do
século XIX.
Baudelaire, em seu artigo
Sobre a modernidade, discorre sobre a nova concepção de belo
e de arte que emergia no final de seu século. O surgimento do novo,
em termos de produção artística causou, como sempre o novo causa, um
choque ao público admirador das artes porque a nova produção se
diferia muito do que, até então, era considerado arte e belo dentro
dos moldes clássicos europeus. A produção artística absorveu o
dinamismo, a variedade e a rapidez dos novos tempos - da Modernidade
-, dando vida ao que ficaria conhecido como movimento
impressionista.
O
impressionismo foi o apogeu da cultura estética e da renúncia à vida
prática romântica supervalorizada no passado. Logo nas primeiras
páginas de seu artigo, Baudelaire afirma que nem tudo estava nos
clássicos. Segundo ele, a grandeza dessas obras estava em seu valor
histórico e nos substratos que poderiam provir às novas tendências.
Ao presente caberia a qualidade essencial de presente, de efêmero, e
aí estaria sua maior beleza. O autor, em seu texto, é categórico ao
afirmar que “o ideal de belo do homem expressa a estética e a moral
de sua época”; que, com o passar do tempo, o que é feio numa
determinada época receberá o rótulo de bizarro ou ridículo. Uma vez
que o belo, em contrapartida, pode ser tomado como um padrão
impassível de questionamento. Para derrubar essa restrição, Charles
Baudelaire afirma que a moda trata-se (e por isso entende-se também
a arte) de um movimento gradativo que, assim como o pensamento
filosófico, ela transmuta ao longo da história. Assim, temos a
ciência que se desenvolve sobre os pilares do conhecimento, o que
para o incauto é um copiar do que o outro afirma – no caso o
cientista. E, segundo Schelling, a arte entra em ação quando o saber
desampara os homens. Para ele, a arte é “o modelo da ciência, e é
aonde está a arte que a ciência deve ainda chegar”.
Podemos observar que há em
todos os momentos da trajetória da humanidade um apetite ávido pelo
belo. Todas as civilizações, em seus respectivos contextos
históricos, tiveram, têm e/ou terão a necessidade de saciar esse
apetite que Baudelaire chama de imoral. Então, segundo sua teoria,
há nesse conceito de belo uma dualidade que perpassa as diferentes
gerações, definindo o que se encaixa ou não nos padrões estéticos.
Dessa maneira, esse ideal é constituído, combinadamente, por dois
elementos: um eterno e invariável, e outro relativo e circunstancial.
Esse segundo está intima e diretamente ligado à moda, à moral e à
paixão de cada tempo.
Para uma maior compreensão
de sua tese, o autor faz um paralelo com nossa própria condição
humana. Dessa forma, segundo Baudelaire, o homem também é dotado de
uma dualidade que lhe acompanha desde sempre. É composto, pois, de
dois opostos, sendo um capaz de perdurar através dos tempos - a alma
- e o outro, diferentemente deste, é sujeito ao perecimento e à
morte - o corpo. Além disso, ele afirma o belo ser uma promessa de
felicidade e que, como tal, é um ideal variável e impossível de se
alcançar.
Nota-se,
então, que o movimento antifilistino (Theodor W. Adorno e Max
Horkheimer
em Dialética
do Esclarecimento: fragmentos filosóficos, 1947)
não
é dirigido contra o que há de capitalista na burguesia, mas o que há
de obtuso e de desdenhoso pela arte. Visa combater a inclusão da
arte nesse ciclo industrial, como mais uma das mercadorias
produzidas em série, utilitárias, sem originalidade e/ou
autenticidade, feitas para servir a nova classe que emerge. A
angústia do artista está em ver o que para ele há de mais precioso
tornar-se parte dessa trivialidade vulgar. Cabe aos intelectuais da
época achar dentro da nova realidade um novo espaço para a expressão
artística, mais coerente com os eventos que os cercam.
Baudelaire, esse ícone da
modernidade, sintetiza, com o seu conflito pessoal, o duelo no qual
se encontra o artista impressionista. Há em sua arte vestígios do
medo de sua habilidade não ser suficientemente ágil para captar
tanta fugacidade. O artista recorre à sua memória ressurreicionista
e baseia-se nela para exercer sua arte, faz de sua memória o seu
molde. O modelo passa assim a estar dentro do artista e não mais
fora, por isso não tem a pretensão vazia de imitar a natureza, mas
sim, pela artificialidade de seu ofício, tornar aquilo sobrenatural
e sublime.
Em seu artigo Sobre a
modernidade, o poeta Baudelaire dá voz ao Baudelaire crítico
para descrever, brilhantemente, as diretrizes dessa nova Era que
borbulha na cultura decadente do fim do século XIX. Nos diferentes
âmbitos e aspectos, a modernidade desfez conceitos e convenções
tidas como certas, abruptas e violentas. Tudo estava se
transformando. O surgimento de novas teorias, novos pensamentos,
novo ritmo e estilo de vida. O artista não poderia se abster a tudo
isso. Mesmo sendo excluído da sociedade burguesa opulente a sua
volta, ele a descreve assim como descreve a vida da qual não faz
parte e apenas observa. Ele usa seus artifícios para atingir algo
além do natural, por considerar este mera vulgaridade. Seu desejo é
pelo artificial, por algo resultado de um trabalho, do suor e da
razão. É ter sua busca pelo fascinante e supremo.
Nova
Era: Movimento Impressionista
O nome Impressionismo, como
tantos outros exemplos na História da Arte (os termos gótico ou
maneirismo, por exemplo), teve, inicialmente, cunho pejorativo.
Rótulo colocado ao trabalho de um grupo de artistas que, de acordo
com os críticos da época, acreditavam na impressão do momento como
algo tão importante que se bastava por si mesma, dispensando as
técnicas tradicionais acadêmicas. Esses artistas realizaram inúmeras
exposições em Paris entre 1874 e 1886, porém a aceitação de suas
artes pelo público foi lenta e sofrida, pela incompreensão ao
trabalho realizado. Ridicularizados inicialmente pela crítica por
não seguirem a tradição pictórica que vinha sendo solidificada desde
o renascimento, paulatinamente acabaram por obter o respeito e
aceitação de suas “novas técnicas” por parte do público. E a crítica
foi a guincho dos acontecimentos como acontece em muitas ocasiões
com a expressão do novo.
Sob a luz natural, os
objetos retratados ao ar livre eram bastante valorizados pelos
impressionistas. O volume e a solidez, características que a pintura
tradicional pregava como fundamentais para uma obra de arte existir,
começaram a ser aviltados, abrindo caminho para as vanguardas
estéticas do Século XIX. Quanto à fidelidade ao objeto retratado,
não se pode dizer que o impressionista não a desejasse, mas buscavam
essa fidelidade à sua maneira. Com efeito, esses artistas faziam
suas pinturas fora das convenções artísticas, mas, de preferência,
sob os efeitos do olhar e das mudanças da luz diária. Sob esse
aspecto podemos, talvez, afirmar que são descendentes do Realismo.
As cores eram de fundamental importância para o grupo, elemento
extremamente expressivo em sua arte.
A frescura da impressão que
um objeto causava ao artista deveria ser captada pelas suas
pinceladas. Os objetos retratados seriam aqueles percebidos pela
visão como paisagens, retratos, cenas do cotidiano. Duas influências
foram fundamentais para o movimento: as estampas japonesas que
popularizam-se na Europa no final do Século XIX, com seu desrespeito
à perspectiva e às normas de composição da academia ocidental - suas
formas repletas de vida encantavam os impressionistas - e a invenção
da fotografia.
Oscar-Claude Monet (Paris,
14 de novembro de 1840 — Giverny, 5 de dezembro de 1926) foi um
pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas. É
considerado o fundador do Impressionismo. São famosas suas pesquisas
em cima dos ideais impressionistas, como a representação de um
objeto em diferentes horas do dia e sob diferentes luzes. E o termo
impressionismo surgiu devido a um dos seus primeiros quadros,
Impressão, nascer do sol, quando de uma crítica feita ao quadro
pelo pintor e escritor Louis Leroy.
Outra grande influência
para importantes nomes dessa fase foi o pintor francês Jacob Camille
Pissarro (Charlotte Amalie, na ilha de São Tomás nas Índias
Ocidentais Dinamarquesas, hoje Ilhas Virgens Americanas, nascido a
10 de Julho de 1830 - Paris, 13 de Novembro de 1903), sendo
considerado o co-fundador do impressionismo, e o único que
participou nas oito exposições do grupo (1874-1886). Pissarro foi um
dos pintores que mais colaborou com o movimento impressionista por
meio de sua obra e formulações teóricas, levando a aceitação por
parte da opinião pública do conceito de que a visão do artista
interfere na percepção da obra. Um bom exemplo de seu trabalho pode
ser dado por O Boulevard des Italiens, Manhã de Sol, com suas
figuras indistintas.
Além da França, o
Impressionismo difundiu-se por outros países, destacando-se
americanos como Frederick Childe Hassam (Massachusetts, 1859 – New
York,1935), Maurice Brazil Prendergast (St. John´s, Newfoundland and
Labrador, 1858 – 1924) e James Abbott McNeill Whistler (Lowell,
Massachusetts, 1834 - Londres, 1903). Foi este último um dos
primeiros artistas ocidentais a perceber o valor das estampas
japonesas.
Algumas mulheres na
pintura impressionista
Na França, Berthe Morisot e
Mary Cassat eram duas mulheres que faziam parte do grupo
impressionista. Morisot (Berthe), pintora francesa (Bourges, 1841 -
Paris, 1895), cunhada de Manet, trouxe ao mundo um impressionismo
elegante segundo críticos de arte, e Cassatt (Mary), pintora e
gravadora norte-americana (Pittsburgh, 1844 - Le Mesnil, França,
1926), radicada em Paris, juntou-se aos impressionistas da escola de
Paris e ganhou reputação internacional.
Acredita-se que tenha sido
Morisot quem levou Edouard Manet, seu cunhado, ao Impressionismo. É
exemplo da obra de Morisot, Vista de Paris do Trocadero, que
ela retrata a cidade baseando-se na vista de cima. Por sua vez,
Cassat era uma das artistas do conjunto cuja influência das estampas
japonesas era mais nítida em seu trabalho. Seus trabalhos versavam
sobre temas domésticos, tratados de forma simples e direta. O
Banho é uma boa amostra deles.
No
Brasil, Raquel Taraborelli
Desde que
entramos em contacto com a pintura da artista Raquel Taraborelli,
temos mantido por alguns anos o desejo de conhecê-la. À primeira
vista, chamou-nos a atenção em suas telas os jardins, especialmente Primavera no meu jardim (2008) - 70x70cm. Quando, enfim, a
procuramos e conversamos por algum tempo ao telefone, logo nos
primeiros instantes, a vimos não exatamente como uma artista, mas
como uma mulher do mundo. Por favor, entendendo-se aqui como artista
uma pessoa muito restrita, fechada ao seu mundo interno, e a
expressão mulher do mundo dá-nos um sentido muito, muito e muito
mais amplo e profundo. Mulher do mundo é uma pessoa inteira, mulher
que silenciosamente compreende a si e ao universo, as suas razões
misteriosas e legítimas de todos os seus usos e ao uso da outra
pessoa. Artista nesse contexto é a especialista mulher presa à sua
palheta como uma escrava à sua gleba. Raquel Taraborelli é uma
mulher, linda, simples, silenciosa, sensível, consciente e aberta na
maneira de falar e de pensar sobre a vida: o ter e o ser, ela
rapidamente percebe o outro. Em um determinado momento do nosso
diálogo, quase silencioso, fomos levadas a imaginar que essa é sua
própria e simples forma de estar no mundo, uma vez que assim se
comunicou e entrou afetivamente na nossa vida.
Pessoa que mesmo ao se
interessar pelo nosso ser, ter e atuar, o fez sem nos demonstrar
mórbida curiosidade e um querer invasivo. Identificamo-nos com a sua
maneira singela de ser e de apresentar-se ao mundo. Muito antes de
mutuamente nos abrirmos, Raquel já havia nos dado permissão para a
utilização de suas obras nos nossos trabalhos. Para além do mágico e
rápido momento que vivenciamos, a artista mostrou-se interessada em
contribuir também com ideias na criação do nosso site poético,
colocando-nos a disposição um dos seus sites (simplesmente ofereço
ao outro o que é meu!).
Todos os dias, quando chego ao meu ateliê, realizo um pequeno
ritual: rego as plantas (elas fazem parte do meu dia-a-dia), limpo
os pincéis, passeio pelo jardim, olho o céu, folheio livros e
revistas procurando situações que toquem o coração. Pode ser um
buquê de flores na janela, uma cadeira no jardim numa tarde
ensolarada, uma foto de viagem. Enfim, algo que funcione como uma
passagem para um mundo de sensibilidade. Muitas vezes, sem perceber,
começo a mexer nos pincéis e tocar a tela. A partir desse momento,
entro na cena e perco a noção do tempo. Vivencio cada detalhe, cada
emoção: sinto o calor do sol, o perfume das flores, a brisa do final
de tarde. E o trabalho se transforma em uma fonte de prazer. Talvez
a pintura tenha sempre me fascinado pela sensação de liberdade que
ela me proporciona. É quase uma brincadeira entre cor e espaço, onde
posso tocar e criar. Outro aspecto que me faz gostar do meu trabalho
é a relação do artista, por meio de sua obra, com o público: emoção
inexplicável, mas muito gratificante. (Raquel
Taraborelli em entrevista com Eliane Contreras).
Raquel Taraborelli: “Gostando da cor, gosta também da luz, do
impressionismo, de Monet. E quem gosta, faz bem. É o que Raquel faz,
na tela. Como Rodin, na busca da perfeição (...). Formada em
engenharia, começou a pintar em 1975, aos 17 anos. Dez anos depois,
o diretor do Masp, Pietro Maria Bardi, jurado do Salão de Artes
Plásticas de Piedade, São Paulo, deu-lhe a Medalha de Ouro. Foi o
estímulo que fez Raquel deixar a engenharia para dedicar-se somente
à pintura. De sua casa em Sorocaba, foi conhecer a casa e os jardins
de Monet, na França. E aí ganhamos uma impressionista, sem
precisarmos ir ao Musée d’Orsay”. (Alexandre
Garcia, jornalista). Certo dia um sábio nos disse: “Ninguém acende
uma lamparina e depois a põe debaixo de um cesto ou de uma cama. Ao
contrário, a lamparina é colocada no lugar próprio para que todos os
que entram vejam a luz”. (Lucas 8:14).
Os jardins de Raquel Taraborelli desnudam-nos o universo luzente
ainda que seja visto na escuridão pelas nossas retinas
inconscientes. O objeto iluminado e sombreado em luzes que Raquel
nos dá a ser apreendido é a criança, é a fome, a educação, a saúde,
a humanidade, a sociedade, todos os países, todas as classes e todos
os idosos imediatamente que vivem nessa cruel modernidade. A nossa
emoção vem do espetáculo de uma reflexão sobre o mundo interno e
externo de toda a criação de Deus colocada em silenciosas pinceladas
sobre as telas de Raquel. Dando-nos nas suas analogias “gráficas”
por meio de uma multiplicidade de formas, movimentos e de tons a
harmonia universal, intemporal. Não havendo senão uma única beleza.
A função reencontrar um lugar para a arte e para o artista numa
sociedade em transformação é extremamente delicada, mas Baudelaire e
Monet a cumpriu com um êxito singular. Quando Oscar Wilde escreveu
no prefácio de seu livro The Picture of Dorian Gray as
seguintes palavras: “The artist is the creator of beautiful
things (…)
They are the elect to whom beautiful things mean only beauty.
All art is quite useless”1,
ele reafirma que, para garantir a sobrevivência da arte, essa
deveria ter o seu compromisso única e exclusivamente com a beleza. A
inutilidade que se atribui à arte é a única forma dela se perpetuar.
Ao se lançar no hedonismo estético, que é extrair da arte a fonte de
um prazer individual e imediato como se essa fosse sua única função
no mundo, ele exalta nela o que nela há de efêmero mas ao mesmo
tempo eterno: a beleza.
São Paulo, 09. IX.2014
1
O artista é o criador de coisas belas (...) Elas são as eleitas para
quem as coisas belas significam apenas beleza. Toda a arte é bem
inútil.”
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