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Luto

 

A Triste Imaturidade Espiritual e Política Brasileira - A unilateralidade!

Reflexão sob um olhar junguiano.

Vera Helena Pessoa 

 

Comunismo-Nazifascismo e a paralisada dialética entre os opostos custarão desenvolvimentos. - Vera Helena Pessoa

A polaridade esquerda-direita encobriu a polaridade. - Vera Helena Pessoa

Até quando imperará a obsessão pela tirania, arbítrio e abuso de poder? Uma oligarquia que está se sustentando na combinação entre cleptocracia e juristocracia? - Vera Helena Pessoa

 

RESUMO

Neste artigo, focamos o cerne da questão, o comunismo-nazifascismo acobertado pela polaridade esquerda-direita, na atual política nacional brasileira, a qual sofreu, durante o atual processo das eleições, alta judicialização. 

Focalizamos que a compreensão de Jung, baseada em uma aplicação da teoria dos arquétipos, está associada aos aspectos impessoais da experiência do grupo e da nação. Apontamos, ainda, segundo o olhar junguiano, a consequência decorrente da ausência de percepção cognitiva, psicológica e espiritual nas eleições e, por outro lado, o conhecimento da culpa e do mal que habitam em cada pessoa, a Sombra. O que vimos na polarização política no Brasil, movida pelos complexos culturais, é a desumanização do outro. Isto é, o outro se torna um objeto, não é percebido como igual, como uma pessoa; torna-se veículo ou símbolo de uma ideologia a ser combatida – o então amigo e familiar se tornam “fascista”, “genocida” ou “comunista” – objetos de ódio e temor. Assim, como vamos curar as feridas das almas, por que as pessoas e a nação estão sangrando? Doentes?

DESENVOLVIMENTO

Desde as eleições presidenciais de 2014, vivemos no Brasil, um turbilhão de afetos e posturas exaltadas que dividiram o país, naquele momento, sob a representação de dois partidos políticos o PSDB (Partido da Social Democracia do Brasil) e o PT (Partido dos Trabalhadores). A perturbação causada por aquele momento político, se desdobrou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e na configuração de uma direita que não tinha muita forma no Brasil, desde o fim da rotulada ditadura Militar (1964 a 1985).

Em 2018, o Brasil entrou com o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, liderando as pesquisas de intenção de voto para presidente, mas o petista foi preso em abril, por ordem do então juiz Sérgio Moro, que o havia condenado em caso envolvendo um apartamento tríplex no Guarujá, parte da Operação Lava Jato, em Curitiba.

Condenado em segunda instância, foi enquadrado pela Lei da Ficha Limpa e impedido de concorrer ao Palácio do Planalto.

Bolsonaro era o segundo colocado nas pesquisas e, então, passou a surfar na onda anticorrupção alimentada pela Lava Jato. Ele defendeu a flexibilização da venda de armas, a legalização do garimpo, exploração da mineração em terras indígenas, a flexibilização das regras ambientais e o “fim da indústria das multas”.

Com o pouquíssimo tempo de televisão da coligação “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos” (também slogan de campanha), Bolsonaro apostou nas redes sociais, para mobilizar sua militância e ganhar votos. Tendo começado a usar estas ferramentas alguns anos antes.

O movimento foi suficiente, para que ele superasse adversários com muito mais estrutura partidária e tempo, no horário de propaganda eleitoral gratuita ‒ como Geraldo Alckmin (PSDB), ex-governador de São Paulo, cuja coligação agregou nove partidos, incluindo os atuais Progressistas (PP), PL (ex-PR), Republicanos (antigo PRB), PSD e DEM.

Durante a campanha, Bolsonaro promoveu pautas de costumes e da segurança pública e ganhou apoio do agronegócio. Conquistou também a simpatia de parte significativa de empresários e executivos do mercado financeiro, ao apontar o economista Paulo Guedes como responsável por seu programa econômico, que incluía privatizações, e a realização de reformas, como forma de equacionar o equilíbrio fiscal e fazer o país voltar a crescer.

Viajou pelo Brasil e, em Juiz de Fora (MG), foi esfaqueado por Adélio Bispo, durante ato de campanha. O episódio ocupou o centro do debate eleitoral e o afastou de compromissos tradicionais de uma campanha presidencial, como a participação em debates. Bolsonaro acabou atraindo não apenas os votos da extrema direita, mas da direita “tradicional” e da centro-direita, visto que, as candidaturas identificadas com estas posições, foram desidratadas no pleito. Com isso, ele passou a ser reconhecido por parcela expressiva do eleitorado, como representante autêntico do “antipetismo” e de uma pauta econômica liberal, com maior viabilidade eleitoral.

Liderou o primeiro turno, mas teve que disputar o segundo, com o petista Fernando Haddad, que substituiu Lula na campanha. Beneficiou-se da recalcitrância dos adversários derrotados em apoiar o candidato petista. 

Acabou eleito com 57,8 milhões de votos, ou 55% dos votos válidos.

Bolsonaro, durante seu gerenciamento da Nação, despertou nas pessoas, o interesse pela política, pelo assunto sóciocultural- econômico-fé cristã, pela percepção do desequilíbrio entre os poderes (executivo, câmera e senado), pelo conhecimento da Constituição e jorrou feixe de luz sobre corações, em relação aos símbolos nacionais e hinos pátrios. Despertando também a curiosidade pelos temas - movimentos Comunismo e Nazifascismo e suas consequências para a sociedade. Bem como o clareamento sobre o movimento promovido pelas Forças Armadas (FFAA), rotulado como ditadura, que teve como espírito, a proteção à Nação, perante os profundos desmandos que vinham ocorrendo, desde 1964.

Esses conhecimentos causaram estupefações, revoltas pelo atentado não esclarecido ao candidato Bolsonaro, agora presidente e um profundo despertar de patriotismo em grande parte dos brasileiros. Desencadeando, assim, um movimento heterogêneo que agregou tanto as classes historicamente privilegiadas, quanto as não privilegiadas, intelectuais e não intelectuais, mulheres, homossexuais, religiosos, homens, negros, crianças e jovens.

As pessoas, atraídas pelo projeto presidencial à Nação, que o presidente Bolsonaro defendia, talvez, tenham sido motivadas mais fortemente, pelo ideal libertador, do que pela própria pessoa do presidente. Revelando, dessa forma, o outro lado da mesma moeda: esquerda-direita.

Então, percebemos que a complexidade desse fenômeno, não nos permite ser simplistas, a ponto de serem rotulados de genocidas e fascistas, indistintamente, os simpatizantes do presidente  Bolsonaro. Para identificar, de forma estereotipada, e sem educação intelectual, os seguidores e o próprio presidente.

Para além das experiências em redes sociais, temos presenciado o sofrimento causado pela polarização, direita-esquerda;

cega obsessão, tirania e abuso de poder pelo judiciário, STF/TSE e uma oligarquia que se sustenta na combinação entre cleptocracia e juristocracia.

O que tem favorecido e causado rotulações, julgamentos, deboches, medos, angústias e desumanização de pessoas. Surgindo, assim, a forçada necessidade de trabalharmos a própria ferida e o abalo emocional de várias pessoas. Presenciamos desagregações causadas pelos afastamentos, divisões e hostilidades dentro das próprias famílias, igrejas e entre outros grupos sociais.

Por outro lado, ficou claro que esse fenômeno da direita-esquerda não é uma peculiaridade do Brasil, mas um fenômeno que vem crescendo em diversos países como EUA, Alemanha, França, Itália, Grécia, América Latina, dentre outros.

Assim, sentimos que precisávamos começar a compreender este fenômeno, a partir de uma perspectiva mais ampla, sob um olhar junguiano. E, também, entendermos como todos nós somos tomados por essa convulsão emocional que nos afeta de modo semelhante a vários países .

I.- De Jung aos complexos culturais

Na Psicologia Analítica, um estudo contemporâneo que vem ganhando destaque e que nos possibilita compreender esses fenômenos, é a teoria dos complexos culturais. Esta teoria se desenvolveu a partir dos conceitos da teoria dos complexos de Jung, passando pelo conceito de inconsciente cultural de Joseph Henderson.

A psicologia de grupo fez parte da preocupação de Jung, desde o início de sua obra, no prefácio de 1916, do livro Psicologia do Inconsciente: “A psicologia do indivíduo corresponde à psicologia das nações. As nações fazem exatamente o que cada um faz individualmente; e do modo como o indivíduo age, a nação também agirá. Somente com a transformação da atitude do indivíduo é que começará a transformar-se a psicologia da nação.” (JUNG, 1999, p. VIII).

Jung compreendia que, assim como um conteúdo arquetípico, constelado na psique pessoal, direcionava a forma de perceber, interpretar e agir, a mesma dinâmica arquetípica interferiria na relação coletiva dos grupos e nações, em relação ao ambiente e outros grupos. Um de seus principais trabalhos na década de 30, foi Wotan (1936), no qual Jung apontou como o povo alemão havia sido tomado por um dinamismo arquetípico, identificado pelo deus Wotan, deus dos ventos. Em essência, significaria compreender que uma dinâmica impessoal, baseada em um princípio enraizado na experiência cultural germânica, fora ativado.

A compreensão de Jung, baseada numa aplicação da teoria dos arquétipos, estava associada por aspectos impessoais da experiência do grupo ou nação, isto é, ficando aspectos históricos e de constituição da identidade daquele grupo e nação, em posição secundária.

Apesar do receio, por parte de muitos junguianos, em empreender pesquisas no campo da psicologia de grupo, Joseph Henderson, um dos colaboradores mais próximos a Jung, desenvolveu o conceito de inconsciente cultural em 1962.

Segundo Henderson, o inconsciente cultural é uma área da memória histórica que se situa entre o inconsciente coletivo e o padrão manifesto da cultura [e] tem algum tipo de identidade advinda dos arquétipos do inconsciente coletivo, que auxilia na formação do mito e do ritual e, também, promove o processo de desenvolvimento. em indivíduos (HENDERSON, 1990, p. 103).

Henderson promoveu uma distinção e ampliação importante na noção de inconsciente coletivo de Jung. O inconsciente cultural seria uma zona intermediária entre a psique arquetípica e a psique pessoal. Henderson, situou, de um lado, as bases arquetípicas, impessoais e filogenéticas comuns a toda humanidade e do outro, as representações ou imagens arquetípicas na cultura, possibilitando compreender cada grupo, em sua peculiaridade, história e formação de identidade (Henderson, 1990). Assim, o autor possibilitou uma integração da teoria dos arquétipos com uma perspectiva sócio-histórica e intergeracional que, inconscientemente, influenciam a constituição, atitudes e comportamento dos grupos.

1.  A polaridade: comunismo – nazifascismo

Observamos que o comunismo assassinou milhões de pessoas, baseado na eliminação da oposição pela luta de classes, para o bem comum. Por outro lado, também percebemos o nazifascismo assassinando milhões baseando-se, também, na eliminação de pessoas da oposição. Assim, percebemos que um é o lado oposto da mesma moeda: comunismo-nazifascismo.

Nessas últimas eleições, 2022, sentimos que ambos pensamentos, comunismo e nazifascismo, continuam ativos e polarizados, mesmo dentro de uma ideologia democrática. Ambos pensamentos mantêm o ódio ao outro e impedem a dialética entre os opostos - o que é inerente à Maturidade e à Democracia Socialista¹.

Então nos perguntamos - como é possível que os dois partidos que mais assassinaram oponentes na história, continuem atuando politicamente dentro de uma democracia? Acrescentando que o comunismo seja permitido e o nazifascismo seja hoje proibido no Brasil?

Uma possível resposta é que o nazifascismo foi derrotado na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e o comunismo venceu na China e continua como a forma oficial de governo. Percebemos, também, que o nazifascismo não desapareceu e continua emergente, de tempo em tempo, e de forma crescente, na Alemanha. O que nos leva a pensar que as duas ideologias estão enraizadas em um denominador comum que as transcende e uma ideologia é cara-coroa da outra.

A polaridade, esquerda-direita, é o fenômeno ‘mais simples 'que percebemos e nos leva a hipotetizar a explicação da sobrevivência ardilosa dessas ideologias, a nível do inconsciente cultural, quando se opõem ao regime democrático e  buscam destruir, com sua falaciosa unilateralidade, o comunismo e o nazifascismo. Encobrindo, talvez, inconscientemente, a existência dessas ideologias e levando-as a continuarem ativas e polarizadas.

Percebemos que a melhor forma encontrada pelo comunismo e nazifascismo, para se sobreviverem, foi cultivarem a polaridade esquerda-direita. Instigando profundamente o pensamento polarizado, o ódio e a unilateralidade, para explicar as transformações sociais. Essa é também a melhor forma de explicarmos, porque pessoas de grande escolaridade e inteligentes continuam mantendo esse erro tão primário e, fascinando, por meio do ódio ao outro, a juventude idealista. Como por exemplo, nas Universidades.

O resultado dessa polarização ideológica é a estagnação patológica das sociedades latino-americanas, que enriquecem os caciques vampiros dos governantes demagógicos e populistas, para se perpetuarem no poder, à custa da miséria e da ignorância.

2.- A teoria arquetípica. História e origem das polaridades e a Sombra!

Nós nos propomos a ver a origem das polaridades comunismo-nazi-fascismo e esquerda-direita na história social e, para tal, conceituamos a teoria arquetípica da história. O arquétipo conceituado como o eidos ou a ideia por Platão e, desenvolvido por Jung, é o conceito psicológico do instinto e o conceito social para explicar qualquer padrão de comportamento adotado por toda a humanidade. São quatro, os principais arquétipos que se sucederam na história da humanidade, que hoje contam por volta de 200 mil anos.

2.1. -  “Arquétipo Matriarcal” que é o arquétipo da sensualidade e do desejo, que não é exclusivo da mãe e do feminino, pois existe no homem e na mulher. Ele coordenou a vida social da pré-história, que durou aproximadamente 160 mil anos, quando fomos povos nômades em busca de comida e sobrevivência. Com ele, povoamos o Planeta. Por ele, em nossa imaturidade, queremos um governo como colo e qualquer frustração é convertida na agressividade de passeata, protesto e quebra-quebra.

Por volta de 10 a 20 mil anos atrás, aprendemos a plantar e a domesticar animais. Foi a revolução agropastoril. Com ela pudemos nos assentar e construir vilas, cidades, nações baseadas na organização da família tradicional, da propriedade privada, do capitalismo, do estatismo, da herança, das classes sociais e do Estado (Engels, 1884). Foi o início da civilização. Sua grande conquista foi o desenvolvimento da tecnologia da organização do Planeta em nações e a dominância da flora e da fauna. Sua grande Sombra foi a institucionalização das guerras de conquista. Por ele, queremos um governo que arme toda a população e mate a oposição. Tanto o matriarcal quanto o patriarcal são unilaterais, imaturos e impedem a dialética do Socialismo Democrático¹.

2.2.- “Arquétipo Patriarcal” estabeleceu o poder unilateral que levou ao elitismo sócio-político e à luta armada. Por isso, diante do perigo do genocídio, há 2.500 anos, na Índia, e, há 2.000 anos, no Oriente Médio, foi ativado.

2.3.- “Arquétipo da Alteridade”, é o arquétipo do meio, que aceita os opostos na democracia. Ele foi ativado na história, pelos Mitos infinitamente evoluídos espiritualmente (Buda e Cristo são considerados, pelos ‘ateus’  como mitos) que pregaram a integração dos conflitos pela compreensão.

Esse arquétipo preconizou o Socialismo Democrático¹ com a transformação política pela criatividade pacífica dos conflitos, evitando as guerras. Ele é o arquétipo da Maturidade que aceita as frustrações, os opostos e vai além da ilusão adolescente que é fascinada pela unilateralidade e pela solução mágica dos conflitos.

A criatividade advinda do “Arquétipo da Alteridade” levou Copérnico a descobrir o sistema heliocêntrico no século dezesseis e a dar início à revolução científica moderna.

Observamos que, duzentos anos depois, criou-se o primeiro tear e começou a revolução industrial, que, por outro lado, trouxe também o desemprego e a miséria.

Este mesmo Arquétipo, que trouxe o Iluminismo, no século dezessete, desencadeou também a Revolução Socialista e transformou a polaridade monarquia-servidão na polaridade burguesia-proletariado.

O Socialismo Democrático ¹, no final do século dezoito (18), trouxe, então, a República e a transformação socioeconômica pela dialética normal das classes sociais.

2.4.-  “Arquétipo da Totalidade” que começou a levar a humanidade para a busca da integração planetária - globalização e internet.

CONCLUSÃO

Como descreveu Darcy Ribeiro, 1995, a América Latina, a África e boa parte da Ásia são povos novos. Por isso, necessitam passar pela adolescência no caminho do Socialismo Democrático ¹. Nessa viagem, esses povos terão que lutar com o apego aos privilégios herdados da dominância matriarcal e patriarcal, entrincheirados na corrupção, no idealismo, na ignorância e na demagogia unilateral da adolescência sócio-política que seduz, mentirosamente, o semelhante e demoniza o diferente.

Ao concluirmos esta pesquisa, confessamos que, a essa altura da história política brasileira e, perante nossos longos anos de vida e experiências, estamos sofridos e pessimistas, ao observarmos o terrível quadro sociocultural-saúde mental-afeto-fé cristã que se abateu sobre os brasileiros. A presença de comportamentos agressivos – nunca vistos -- entre as pessoas e o ativismo do judiciário, STF/TSE, durante todos estes últimos quatro anos, durante o processo eleitoral, durante as eleições e resultados para presidência da República.

I.- Conhecimento da culpa e do mal que habitam em cada um de nós, a Sombra!

Diante da polarização - da exaltação dos afetos, da agressividade e do amplo sofrimento psíquico que vimos em todos os grupos sociais, nos perguntamos - como podemos lidar com esse fenômeno?

Ao final da segunda guerra mundial, Jung escreveu um texto chamado “Depois da Catástrofe”(1945), onde introduz uma noção importante que ele chamou de “culpa coletiva”, que é uma modalidade da culpa psicológica, diferente da culpa jurídica ou moral, isto é, da culpa por um fato objetivo, mas antes uma identidade psíquica, isso porque Jung compreendia que o ser humano “não vive longe dos demais e que o seu ser inconsciente se acha ligado a todos os outros homens, então um crime nunca pode correr de maneira isolada como pode parecer à consciência. Ele acontece num âmbito bem mais vasto. (…) Platão já sabia que a visão do feio provoca o feio na alma.

A indignação e a exigência de punição se levantam contra o assassino e isso, tanto mais violenta, apaixonada e odiosamente, quanto mais ferver a chispa do mal dentro da própria alma. É um fato inegável que o mal alheio, rapidamente se transforma no próprio mal, na medida em que acende o mal da própria alma. O assassinato acontece, em parte, dentro de cada um e todos, em parte, o cometeram” (JUNG,1988, p.20-1).

Sob essa compreensão, a unidade inconsciente faz com que todos tomem parte dos eventos que os envolvem. Tomamos parte na medida que os eventos nos afetam, nos tocam. Reagimos, inconscientemente, no corpo, nos afetos e, conscientemente, podemos condenar, apoiar ou nos omitir, pois a indiferença não é uma opção psíquica.

Em seu aspecto mais fundamental, a culpa coletiva expressa uma solidariedade psíquica. Desse modo, para Jung, a culpa coletiva não visa à punição, mas, especialmente, à confissão e compensação. Diante do crime, da violência e das atrocidades que desumanizam as vítimas, somos levados a desumanizar os agressores – nomeando-os como monstros, loucos, genocidas, fascistas, demônios, doentes, etecetera.

A desumanização ou objetificação é uma forma de afastarmos a “culpa coletiva” ou “responsabilidade coletiva” não individual, mas da sociedade que falhou em proteger as vítimas. Acusar, julgar e distanciar dos fatos é uma forma de não assumir a responsabilidade com o outro ou com a coletividade. 

Não falamos de impunidade - a culpa coletiva não exime o indivíduo, mas possibilita uma mudança ou transformação coletiva.

Todos nós podemos identificar esta Sombra, de que emerge o homem de nosso tempo. Não precisamos atribuir a máscara do demônio à direita ou à esquerda. Os fatos falam uma linguagem bem mais clara e quem não pode compreendê-la, não pode ser ajudado. E o que fazer com essa visão pavorosa é algo que cada um deve descobrir por si mesmo.

Na verdade, pouco se ganha em perder de vista a própria Sombra, ao passo que o conhecimento da culpa e do mal que habitam em cada um, traz muitas vantagens.

A consciência da culpa oferece condições para a transformação e melhoria das coisas.

Como se sabe, aquilo que permanece inconsciente, jamais se modifica, e as correções psicológicas são apenas possíveis no nível do objeto (JUNG, 1988, p. 36).

É importante esclarecermos que não acusamos uma cúpula partidária ou quem dá forma ao ato violento que ataca pessoas, nem aqueles que personificam o discurso de ódio contra minorias, legitimando a violência, tirando proveito do sofrimento coletivo para benefício próprio. Falamos de familiares, pessoas, amigos, colegas de trabalho e de outras pessoas que, às vezes, nem as conhecemos.

Passando a tempestade ou “depois da catástrofe”, reconhecermos o nosso próprio ódio e medo é um passo fundamental, para percebermos o outro como ser humano. A noção que Jung insere por meio da culpa coletiva é do reconhecimento de nossas Sombras, para não apontarmos o dedo, para não diminuirmos o outro, separarmos do outro o que acirra a polaridade.

Somente pelo reconhecimento de nossa própria Sombra, da culpa coletiva, humanização do outro, existência do grupo que se opõe ao qual nos identificamos e sofrimento desse grupo (ou das pessoas desse grupo), é que conseguiremos integrar o “Arquétipo da Alteridade”, necessário ao diálogo - símbolo necessário para superar essa triste divisão.

Na “Alteridade”, reconhecemos não somente o outro, mas a nós mesmos. Agora, depois das eleições, teremos de lidar – daqui para frente- com a desilusão, com o medo e a resistência.

Temos o sôfrego desafio de tecer novos laços afetivos que possibilitem reconstituir indivíduos, famílias e grupos divididos por essa maldita polarização. Reintegrar a alma brasileira dilacerada, ao longo dos anos, pelo processo político.

O resultado da eleição, no dia 30/10/2022 para presidência da República, nos confrontou com mais uma etapa da polarização do país. Assim, a consciência da divisão nos colocou diante do fato de que, independente de quem foi eleito, somos todos psiquicamente perdedores.

O judiciário brasileiro, os políticos e o povo não perceberam intelectualmente, emocionalmente e em espírito, a influência unilateral e a polarização entre o comunismo e nazifascismo, ao se comportarem, antes, durante e após o processo eleitoral, reforçando, assim, a primária ideologia da polaridade que ocorre na adolescência, desencadeando, dessa forma, a paralização da Democracia Socialista¹.

Consequentemente, as pessoas da nação brasileira não deram um salto em direção à aceitação das diferenças que caracterizam o “Arquétipo da Alteridade”, o Socialismo Democrático¹ e a Maturidade política imprescindíveis para propiciar o crescimento do Brasil.

Todos nós perdemos emocionalmente!

Todos nós estamos fortemente feridos!

 

LEITURAS

1.-ENGELS, F. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 3 ed. Tradução de Leandro Konder. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

2.-HENDERSON, J. L.. The cultural unconscious, In Shadow and self: Selected papers in analytical psychology. Wilmette, IL: Chiron. 1990

3.-JUNG, C.G. Aspectos do Drama Contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 1988.

4.-JUNG, C.G. Psicologia do Inconsciente, Petropolis: Vozes, 1999.

5.- RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. Companhia das Letras, 1995.

São Paulo, 2022

 

 

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