Vera Pessoa
Ah, ouvi dizer que ela está amando,
Contaram-me que ela está pensando
E mais ainda, que ela está sorrindo.
Logo,
ela é uma pessoa que está feliz, que está a sonhar, mas é sacana e
não tem credibilidade no seu meio social.
Ora,
basta pouco, terrivelmente muito pouco mesmo para que uma pessoa que
curte uma história construir uma inteira, baseando-se em pequenos
pontos:
em um amar, em um pensar e/ou em um sorrir de uma outra pessoa.
Talvez,
sempre disseram àquela pessoa que ela tem muita imaginação, é
criativa, mas nunca lhe disseram com a desejável e necessária
clareza que a história que ela conta - a fofoca -, é a sua própria
história, sua imaginação. Que é o reflexo do que ela própria possa
ter desejado ter, fazer, mas que não conseguiu. E que temeu a
própria fofoca, mas não a alheia que sempre procurava ouvir.
O fato
tornar-se-ia bem diferente se a pessoa fofoqueira falasse somente o
que viu e presenciou com louvável espírito humanitário e/ou
científico. E, se assim fosse, ela estaria a relatar o fato
observado e estaria provavelmente a dizer apenas assim:
Vi a
Maria com o João e pareceu-me que ela está amando. Parecia que eles
conversavam entre si e estavam pensando. Observei-os muito felizes
bem próximos um do outro, sorrindo.
Todos
nós sentimo-nos vítimas da fofoca quando ela chega a nós, mas
ninguém nunca se sente o agente da fofoca. A outra pessoa faz, mas
agora, eu nunca faço fofoca! Tenho pavor disso...
Ora,
destrançar, desfazer todos os laços e nós feitos e provocados pelo
fofoqueiro, por aquele que tem imaginação individual nada saudável,
fantasia que se entrelaçou e entrelaça em uma só e grande fofoca –
maledicência criminosa - é tarefa para quem sabe ter paciência e a
busca continuamente – pessoa que entra em contacto com o agressor –
que sabe observar e escutar. É tarefa longa para um perito!
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A língua perversa
provoca homicídio
“Homens caluniadores se acharam em ti, para derramarem sangue; e em
ti sobre os montes comeram; perversidade cometeram no meio de ti”.”
(Ezequiel
22:9).
“Ora,
nós pomos freio nas bocas dos cavalos, para que nos obedeçam; e
conseguimos dirigir todo o seu corpo. Vede também as naus que, sendo
tão grandes, e levadas de impetuosos ventos, se viram com um bem
pequeno leme para onde quer a vontade daquele que as governa. Assim
também a língua é um pequeno membro, e gloria-se de grandes coisas.
Vede quão grande bosque um pequeno fogo incendeia. A língua também é
um fogo; como mundo de iniqüidade, a língua está posta entre os
nossos membros, e contamina todo o corpo, e inflama o curso da
natureza, e é inflamada pelo inferno.” (Tiago, 3: 3 a 6).
Milhares de vidas já foram fulminadas pela chama do fogo iniciada
simplesmente pela fagulha de uma língua. Casamentos foram desfeitos,
amizades chegam ao fim sem perspectiva de reconciliação, grandes
amores e ideais foram destruídos. Incontáveis pessoas, relações e
instituições têm sido roídas ao longo dos anos por causa de uma
perversa língua. E essa maldita gangrena chamada fofoca continua a
atingir a todos diuturnamente, todos os dias. Sem ao menos dar a
conhecer à vítima - não somente o agressor como o conteúdo da
agressão, não dando assim nem tempo e oportunidades de defesa -,
ficando a pessoa ingênua a mercê de assassinatos.
Botucatu, 5.III.1981
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